domingo, 11 de novembro de 2012

Sobre Espanto II


Ouvia que o melhor era largar de lado aquela graça inútil de brincar de poesia, coisa de gente que não quer nada com a vida. Mandavam que deixasse as palavras passarinharem noutros galhos, grassarem em versos noutros cantos, porque ali, naquele mundo ao qual pertencia, só o esforço dos braços e os pés ligeiros  tinham valia.

Mas menino é feito de vento e outros sonhos.

Achava bonito ver as coisas, e ver as coisas dava nele uma vontade de dizer. Entre uma sombra e outra, queria explicar que o cheiro que sentia era de brinco-de-princesa namorando passarinho; que a cor do jardim era de alegria de flor com cobertura de sol; que comer fruta no pé era igual lamber segredo.

Cirandava por aí carregando fome de beleza. Não queria ter braços fortes e pés ligeiros, só mais alma para caber tudo que via.

Um dia, esticado debaixo duma sangra d’água e se enxerindo no fuxico do rio, resolveu olhar para longe. Tudo era tão imenso ao seu redor e ia tão além, que sua vista, por mais que se esticasse, não conseguia alcançar: era beleza para mais que o tempo de uma vida.

Doeu nele um querer que não cabia, e era querer ser maior do que o mundo que lhe diziam ser o único possível. Amiudou. Tinha natureza de bicho que voa, e aquele aperto de alma era de se saber só um menino.

Voltou para casa farto de grandeza. Pela sua respiração, era visto que carregava um espanto.


(Mateus Borba)

8 comentários:

  1. Me emocionei... bateu saudades... é num espanto que pude te ver carregado de poesias. Quanto tempo se passou, já não tenho contas. Mas te reconheço nestas palavras. Beijos.

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  2. Me emocionei... bateu saudades... é num espanto que pude te ver carregado de poesias. Quanto tempo se passou, já não tenho contas. Mas te reconheço nestas palavras. Beijos.

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  3. Me emocionei. bateu saudades. Foi num espanto que te vi carregado de poesias. A celeridade da vida roubou minha poesia. Senti saudade de um pedaço de mim. Beijos.

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